Hoje estou me sentindo frágil, vulnerável, sem chão... Quando vemos
alguém que amamos muito doente, e não podemos fazer nada, acredito que não tem
como nos sentirmos de outra forma, e quando esse alguém é nossa mãe ou um filho
então... A insegurança pega fundo a gente.
Nesses momentos esquecemos todas as mágoas, todas as diferenças, todas
as dores que a pessoa já nos fez passar, é em momentos assim que entendemos o
que significado de laços de família, tão
banalizado e tão profundo apesar de toda essa banalização.
Minha mãe está doente, é a primeira vez em 79 anos que a vejo tão
doente, está com um melanoma nessa idade tudo fica muito mais complicado, a
forte quimioterapia é terrível para alguém mais jovem imagine como é para
alguém na idade da mamãe.
Agora ela teve que parar com as quimioterapia, porque pegou uma
hepatite oportunista, está internada, e eu longe um estado nos separa, nunca
fomos muito unidas, mas hoje tudo que queria era mamãe pertinho. E talvez
aproveitar esse momento de fragilidade para lhe dar os abraços que nunca permitiu
que nenhum de nós desse, para enchê-la do carinho que vive guardado em peito a
mais de 53 anos...
Somos uma família estranha, tivemos uma educação muito rígida, no tempo
dos meus pais carinho, atenção amor, eram considerados, gestos de fragilidade
que não “caia” bem em um pai e em uma mãe, que tinham o dever de “corrigir” e
“educar” seus filhos.
E assim fomos vivendo e a vida nos afastando, saímos a maioria de nós muito
cedo de casa, cada um por um motivo, mas todos foram embora, e mamãe e papai
ficaram sozinhos, só com um dos meus irmãos com eles.
Depois papai foi embora,
espero que leve uma vida mais leve, que lá onde está hoje ele tenha conhecido o
amor, o carinho, a atenção, a alegria, a felicidade, e principalmente a leveza.
Espero que seus professores hoje sejam professores mais carinhosos e felizes. Assim
como também espero que os de mamãe quando ela se for também sejam.
Levei uma vida para entende que não era assim que se vivia, que não
podia ser tão “engessada”, tão dura, comigo e com os que amo. Até hoje para ser
bem sincera não consigo me soltar muito.
Em casa nunca cantávamos, não dançávamos, não tínhamos aquela alegria de
sermos uma família, era tudo muito cobrado, tudo feito conforme “o que as
pessoas vão pensar”.
Talvez eu por ser a mais velha seja a que tenha mais pegado esse jeito
de ser, apesar de ser também a que mais sempre se rebelou com ele. Nunca
consegui aceitar a religião, até hoje tenho serias dificuldades em aceitar
muitas coisas, mas a religiosidade é algo muito complicado no meu modo de ver a
vida.
Tudo isso acabou por nos transformar em uma família solta, sem grandes
laços afetivos que nos unisse. Meus pais e meus tios e tias, e avós foram todos
praticamente criados dentro dos antigos colégios de padre e freiras, onde ficava
a maior parte do ano, e onde eram na verdade educados. Isso os transformou em
pessoas puritanas. Pessoas muito puritanas são
em geral doentes.
Isto porque a vida não é pura, mas é feita de lama, pó, suor e sangue.
Quando nascemos já vamos logo aprendendo esta lição: o feto não é o bebê perfumado do berçário.
Ele nasce envolto em matéria orgânica, líquidos e sangue.
Os puritanos são pessoas muito reprimidas e como tais não podem tolerar nenhum processo de liberdade ou espontaneidade.
A alegria e a sinceridade dos outros lembram ao puritano da tristeza profunda causada pela clausura de sua condição.
Foi difícil para que eu
entendesse tudo isso, para que eu entendesse que não era “culpa” deles, mas que
era o que eles tinham conseguido fazer com o que receberam. Foi complicado
perdoa-los, foi muito mais complicado ainda aprender a ama-los. E talvez o mais
complicado ainda e conviver com tudo isso até hoje.
Porque esse tipo de ranço
fica grudado em nós, em nossa alma. É não é fácil conseguir se desvencilhar de
algo que já faz parte da gente.
Mas é possível sim. Com muito
esforço e determinação.
Falo isso hoje aqui, porque
sei que muitas pessoas da minha idade e outras mais velhas e outras mais novas
ainda convivem com tudo isso e guarda sem conseguir soltar. Esse é um dos
segredos mais bem guardados dentro das famílias ainda hoje, e sem duvida um dos
que mais corrói a alma da família.
Hoje eu me propus, a fazer
uma seria reflexão sobre tudo isso. A ainda olhar mais uma vez bem de perto o
quanto tudo isso me machuca e mais um pouco transformar o que já consigo
transformar.
Tem sido assim a alguns anos, eu olho vejo, e sinto o que posso
mudar e aos poucos tenho conseguido ser uma outra mulher, por isso me defino
como uma mulher em construção, porque eu estou sempre me desmanchando e me
reconstruindo....
Vem vamos pensar junto e ver
o que podemos fazer para que o amor, a alegria, a felicidade, e a leveza venham
morar conosco.
Seu comentário é importante
para meu trabalho, deixe-o aqui.
Muito obrigado!
Fátima Jacinto.
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