Uma
pessoa imersa na mais absoluta impotência, atirada sobre uma cama e submetida a
um balão de oxigênio demonstra que se pode sempre ser mestre do momento,
mesmo quando estamos aparentemente sem opções nem poderes para barganhar com a
vida.
As
pessoas insistem numa dimensão de Amor tão longínqua da realidade de
Verdade.
Não é
preciso escrever livros para se salvar.
Não é
preciso sequer estar em domínio pleno de qualquer função vital; não são
necessários grandes blocos de tempo: basta um único momento.
Não é nem
ao menos necessária a troca com alguém conhecido, sendo suficiente um único e
verdadeiro encontro. Não são necessárias ideias, técnicas ou razão. Basta
vibrar na sintonia humana e evocar no outro uma mesma manifestação. Neste
caldeirão onde a experiência de ser é comum a todos que trocam, não há mais
percepção de si mesmo que faça sentido na ideia de que alguém se encerre em si
mesmo.
O eu no
outro e o outro no eu são explicações para esta eterna saudade de algo que nos
faz falta; o outro, aquele/aquilo que não sou, traz em si, por sua vez, algo
que também não é parte de si próprio.
Não há
melhor forma de beijar a morte do que reconhecer o outro — o que não somos e
onde não existimos nós mesmos.
O mesmo
1/7 de morte, de falta, de não ser é o material do qual é feito o outro dentro
de nós.
A morte é
que nos faz sociáveis. Ela é que
nos faz amar o outro.
O outro é
a forma mais real que possuímos de experimentar a morte, o não ser. Conseguir
olhar o outro em sua alteridade é reconhecê-lo não em relação a nós ou como
sendo nós mesmos.
Ao vê-lo
como tal, estamos diante da morte sem medo, sem desespero.
É como se
estivéssemos num mundo invertido, onde ter saudades do outro não nos faz
reconhecê-lo e nos leva ao desespero.
Por outro
lado, ter saudades de nós mesmos nos encaminha ao outro; no outro nos
encontramos salvos de "sermos apenas em nós mesmos".
Em nenhum
momento devemos nos permitir mergulhar dentro de nós mesmos num comportamento
eremita, o que representa em si o desespero.
Todo
aquele que é vivo, que inicia sua caminhada pela vida ao que está no limiar do
fim deste processo, precisa do outro.
É comum
que pessoas gravemente enfermas experimentem ao enfrentar as questões de sua
finitude um desejo de se afastar dos outros.
Fazem
isto movida pelo inconformismo de que os outros lhe relembram constantemente
tudo que estão por perder.
A vida do
outro que continua, ou as oportunidades do outro que continuam mesmo depois de
nossa morte são quase que insuportáveis.
Cada
risada do outro, cada olhar do outro é vivido como uma bofetada. E nem
sequer é preciso tratar-se de um ser humano.
Cada vez
que o sol nasce é uma bofetada, cada barulho de vento ou gosto apreciado é uma
bofetada. Ou seja, tudo aquilo que não é parte de nós e que "não se
extinguirá" quando nós nos extinguirmos, nos agride.
Esta é a
atitude do desespero, que lê no outro a morte como um escuro onde não estamos.
A
incapacidade de reconhecer a si mesmo no outro é desespero.
A visão
que, ao contrário, vê no outro parte de si mesma, salva. A vida é
definida como uma infinidade de oportunidades que nos permitem realizar este
mesmo fenômeno de auto reconhecimento nos outros, sejam pessoas ou coisas.
A cada um
destes reconhecimentos nos certificamos deste pequeno elemento de exterioridade
que possuímos e somos tomados pelo sentimento da esperança.
Estes
encontros são o que os mestres chamavam de reconhecimento das fagulhas divinas
espalhadas pelo mundo.
Seu comentário é importante para meu trabalho, deixe-o aqui.
Muito obrigado!
Fátima Jacinto
Nenhum comentário:
Postar um comentário